segunda-feira, 1 de novembro de 2010

MR. NOBODY

Big Bang, a Grande Explosão, o início de tudo e Big Crunch, o Grande Esmagamento, a singularidade do fim do universo, duas teorias, a primeira quando começou a expansão e a segunda o final da contração do universo.

A descoberta de que o universo está em expansão foi uma das grandes revoluções do século XX [...]. Newton e outros devem ter se dado conta de que um universo estático logo começaria a se contrair sob a influência da gravidade. Suponhamos em vez disso, um universo em expansão. Caso estivesse se expandindo muito devagar, a força da gravidade poderia, eventualmente, forçar a interrupção dessa expansão e, então, começar o processo de contração. Entretanto, se ele estivesse se expandindo acima de uma determinada velocidade crítica, a gravidade jamais seria obstáculo capaz de pará-lo e o universo continuaria a se expandir para sempre. [...] (HAWKING, 1988/2000, p. 67)

Se o universo tevê início com o Big Bang, o que existira antes? O nada? Havia eventos antes?

[...] mesmo se tivessem existido eventos antes do Big Bang, não se poderia usá-los para determinar o que aconteceria depois, porque a previsibilidade acabaria com a grande explosão. Correspondentemente, se, como é o caso, sabemos apenas o que aconteceu a partir da grande explosão, não podemos determinar o que teria acontecido antes dela. (ibidem, p. 76-77)

Os eventos anteriores, se existiram,

[...] não podem ter tido qualquer consequência e, portanto, não devem fazer parte de um modelo científico do universo. Devemos, assim, isolá-los do modelo e considerar que o tempo começou com o Big Bang (destaque meu) (ibidem, p. 77)

O filme Mr. Nobody (Bélgica, 2009), escrito e dirigido por Jaco Van Dormael, especula (investiga, analisa) situações em torno dessas teorias e outras mais como a teoria das cordas, a teoria do caos com o efeito borboleta. Os personagens recuam e avançam no tempo, alterando suas vidas e, ainda, vivendo múltiplas alternativas, impossíveis de acontecer na nossa atual realidade em que o tempo só avança. Na verdade só temos uma escolha por não termos, ainda, conseguido voltar no tempo.

O que havia antes do Big Bang pergunta-se no filme. A reposta é imediata:

Well, we see, there was not before because before the Big Bang time did not exist. Time is a result of the

expansion of the universe

itself. But what will

happen when the

universe has finished

expanding, and the

movement is reversed?

What will bet the nature

of time?

(Bem, vejamos, não havia antes porque antes do Big Bang o tempo não existia. Tempo é o resultado da expansão do próprio universo. Mas o que acontecerá quando o universo deixar de se expandir e o movimento é revertido? Qual será a natureza do tempo?)

O narrador que, na verdade, é Nemo, o personagem central do filme, nesse momento um adulto jovem, de paletó e gravata, dirigindo-se ao espectador, continua raciocinando:

Se a teoria das cordas (string theory) é correta, o universo possui 9 dimensões espaciais (9 SPATIAL DIMENSIONS) e uma dimensão temporal (1 TEMPORAL DIMENSION). Podemos imaginar que no começo todas as dimensões estavam mescladas e durante o Big Bang 3 dimensões espaciais que conhecemos, como: alto, abaixo e profundo e uma dimensão temporal que é o tempo, foram utilizadas. As outras 6 seguiram, permaneceram minúsculas e juntaram suas forças. E se vivemos em um universo com dimensões relacionadas, como podemos distinguir entre ilusão e realidade? O tempo como o conhecemos é uma dimensão onde experimentamos uma única direção. Mas e se uma das dimensões adicionais, sem dimensão espacial for mais temporal?

Essas explicações são ilustradas por imagens que aparecem intercaladas ou fundidas com a imagem de Nemo.

Na verdade, as explicações sobre o universo só são dadas a partir dos 20 minutos de filme quando já foram apresentadas várias cenas inusitadas, estranhas. Vamos a elas.

Quando o filme se inicia o espectador vê à esquerda um pombo tentando alcançar uma folha, no alto da gaiola onde ele está preso. Ele tenta, mas não consegue alcançá-la e, então, com o bico, vai aproximando, para baixo da folha, um pequeno bloco alaranjado que inicialmente estava colocado no lado oposto, até que a ave alcança o que quer. Enquanto essa cena é mostrada, no lado direito aparecem os créditos do filme. Terminados os créditos, nova experiência com um pombo é apresentada, em imagens em preto e branco.

Agora o pombo está em uma caixa metálica, na qual há um dispositivo elétrico que, tocado pelo bico da ave, abre uma janelinha e o pombo acessa alimento fora da jaula. Um narrador fez a descrição da cena:

Como a maioria das criaturas vivas, os pombos rapidamente associam aprendizagem como na alavanca de madeira. Mas quando se faz automaticamente [a abertura da janelinha] a cada 20 segundos o pombo se pergunta: o que fiz para merecer isto? [O pombo é mostrado em detalhe] E começa a mover suas asas. Continuará para ver a influência, o que acontece. [ e o pombo se alimenta depois que a janelinha se abre]. Chamamos a isto de “A superstição do pombo”.

Em seguida a tela escurece. Uma figura luminosa de traços curvos, simétrica, vai se concentrando até definir

MR. NOBODY

A seguir as imagens passam a ocupar a tela toda. Surge, em grande plano, com os olhos azuis bem abertos e imóveis, a imagem de um jovem. Uma voz murmura: “O que fiz para merecer?” à semelhança do pombo. A câmera vai se afastando, o rapaz está deitado, cobrem-no com um lençol. Focam-se os pés dele onde está presa uma etiqueta. Na verdade, é um cadáver que está sendo guardado em um armário de aço. A cena muda.

Detalhe do mesmo homem, abrindo os olhos dentro d’água. Ele está no banco de direção de um automóvel no fundo de um rio. Tenta escapar de dentro do veículo, bolhas de ar saem-lhe da boca. Ele se debate, o carro vai afundando. Abre e fecha a boca. A cena muda.

Agora o mesmo jovem está se levantando abruptamente de dentro de uma banheira onde estava mergulhado, quase sem ar, sufocando, abre a boca para respirar; na verdade como uma continuidade da cena no carro. Ele observa o ambiente. Quando olha para frente vê um homem sentado que o encara. O homem empunha um revólver e atira à queima roupa no rapaz. Novo corte.

Grande plano do mesmo rapaz, o rosto coberto por uma pequena camada de gelo. Ele fecha e abre os olhos repetida e rapidamente. Está dentro de uma cápsula individual, em pé, parece que está em uma nave espacial, em uma cápsula de sobrevivência. São inúmeras cápsulas dispostas uma ao lado da outra, com pessoas, estão em uma grande estação/nave espacial. Meteoritos a atingem. Há uma forte trepidação. A enorme nave, vista do espaço, explode violentamente. Novo corte.

A mão envelhecida de um homem é mostrada pendendo de uma espécie de cama. Depois vem surgindo a imagem de um homem, completamente calvo, sua cabeça e rosto são pintados com traços negros em simetria ao centro do rosto. Ele pergunta: “Como tem passado desde a última vez?”. Uma sombra humana à frente da câmera indica uma pessoa à qual ele se dirige. Em seguida é mostrado, em primeiro plano, o rosto de um homem extremamente envelhecido, tirando as mãos do rosto, a pele é muito enrugada. O velho fala:

- Eu o conheço?

- Nos vemos toda semana. Sou o Dr. Fildheim.

Os dois estão um diante do outro, sentados, uma mesa entre eles, ao fundo prédios de uma cidade futurista. O doutor fala:

- E quem é você?

- Ninguém (Nobody). Nemo, Ninguém.

- É um nome incomum, não crê?

Pequenos dispositivos, olhos eletrônicos, flutuam no ar observando o velho.

- Às vezes as pessoas me chamam de Sr. Craft. C-R-A-F-T. Não consigo lembrar de coisa alguma.

Ele ri, um riso de velho; o outro também ri, um riso de médico.

- Qual foi a primeira pergunta que fiz?

- Eu não sei.

- Pode me dizer quantos anos você tem?

- Tenho 34. Nasci em 1975.

- Se importa de eu olhar as suas mãos?

O olho eletrônico, batendo asas, continua focando o velho. A câmera se desloca sobre a mesa onde está um jornal aberto onde se lê sem muita nitidez:

NNY

THE LAST [][][][][[]

- Não deve se não quiser.

A câmera, posicionada como se fosse os olhos do velho fixa as mãos dele próprio, trêmulas, engelhadas. O outro fala:

- Há um espelho diante de você.

Nemo olha-se, vira o rosto contrafeito: “No, I...”. O doutor pergunta:

- Em que ano estamos?

- 2009. Eu tenho 34. Nasci em Suderland, no dia 9 de fevereiro de 1975.

- Então suponho que deve ser seu aniversário.

E o doutor empurra o jornal para o velho:

NNY

SATURDAY FEBRUARY 9TH 2092

THE LAST MORTAL

TURNS 118

Sábado 9 de fevereiro de 2092

O último mortal atinge 118

- Tenho 34 (I’ m thirty four). Quero acordar. Eu tenho que acordar! [grita].

De fato ele acorda, É o mesmo homem jovem de olhos azuis que foi mostrado morto, depois dentro de um carro submerso, na banheira e na estação espacial. Agora ele ergue-se bruscamente em uma cama, respirando forte, como se despertasse de um pesadelo. Ele usa uma aliança de casamento na mão esquerda. Desliga um aparelho que emitia um sinal, deve ser um despertador, levanta-se da cama, coloca óculos. A câmera foca o rosto iluminado de uma mulher loura, dormindo na cama, quando ele abre uma cortina em uma janela. A mulher passa a mão pelo rosto, ainda de olhos fechados, e fala: “Não Nemo, o sol machuca meus olhos.” Ele fecha a cortina e começa a inspecionar o ambiente, como se não lhe fosse familiar. Olha-se em um espelho, enche um copo na torneira do lavatório, leva-o à boca fitando-se no espelho, como para se reconhecer. Engole a água. Está pensativo. Sai do compartimento e vai acordar os filhos. Um passa por ele, ele o empurra: “Ei amigo.” Entra em outro quarto: “Bom dia meus anjinhos. Hora de ir para a escola. Vamos.” Depois fala para a mulher: “Elise, vou levar as crianças para a escola.” Ao se aproximar da porta de saída da casa, um envelope surge da abertura para correspondência. Ele o inspeciona rapidamente e olha pela janela, para fora da casa. Uma cena inusitada é apresentada a ele e ao espectador: o mensageiro caminhando para trás, de costas, como se percorresse o caminho inverso que fez ao entregar a correspondência, como se o filme voltasse, como se o tempo retrocedesse. E vem mais coisa inusitada.

Nemo abre o envelope; é uma foto de família: ele, mulher e duas crianças. Só que a mulher e as crianças são outras, não é a mulher que está com ele, Elise, e nem os filhos. Um dos garotos, louro, está batendo bola dentro de casa, ele o repreende: “Paul, fique quieto.” Mas o garoto esclarece: “Não me chamo Paul.” Ele se espanta. A tela escurece e em seguida uma imagem vai se formando, inicialmente borrada, indefinida, depois fica nítida: “Papai? Papai.” É um garoto achinesado, cabelos pretos, o da foto. Chega uma mulher, esta também da foto, de cabelos pretos, e fala: “Paul, não acorde seu pai.” Nemo: “Elise.” Ela:

- Sou eu, Jeanne.

- Eu estou morto?

- Vá para dentro. [ela falando para o garoto].

- Quem é Elise? [ela pergunta]

- Não conheço ninguém com esse nome.

- Você está cansado Nemo, deve descansar. Eu coloquei a TV para você. Vou para dentro, o sol machuca meus olhos.

Ao ouvir essa última observação, ele, naturalmente lembrando-se do mesmo comentário feito por Elise se espanta: “O quê?” Ela repete: “O sol machuca meus olhos.” Ele fica pensativo. A cena é cortada e avança-se, novamente, para o ano 2092.

Nemo, ancião, está deitado, um eletro encefalograma dele está sendo mostrado na tela. Na verdade, seu corpo está exposto na lateral de um prédio, há um painel transparente do lado externo. Arranha-céus em forma de picos indicam uma cidade de arquitetura futurista. Em um grande cilindro transparente aparece um jovem com imagens repetidas. Ele é um apresentador de notícias, Julian Marshall, um jovem alegre carregado de trejeitos, faz uma reportagem sobre “o último mortal”. Julian se apresenta com afetação de gestos, carrega no colo um porco branco e se vangloria de tê-lo; duas mulheres aparecem também orgulhosas de seus porcos. “O Senhor Ninguém tem 117 anos e não tem nada. Não tem estes adoráveis porcos personalizados.” registra o inquieto apresentador. Nemo “será o último humano que vai morrer de velhice natural.” Em seguida ele entrevista o Dr. Fildheim:

- Agora doutor, não se encontram registros de sua identidade. Nada sobre seu passado.

-Não sabemos quem é o Senhor Ninguém, nem ele próprio sabe. A memória do nosso paciente está confusa. Mas não é estranho que em um determinado estágio da doença, que suas velhas lembranças venham à tona em grandes detalhes.

Várias pessoas assistem a entrevista, projetada no ar em imagens virtuais; é a sociedade tecnológica da era da informação, por sinal criticada por Dormael ao caracterizar um ridículo apresentador e que considera, como algo importante, a posse que as pessoas podem ter de um porco doméstico personalizado.

Vem em seguida nova entrevista do médico com o homem que completa 118 anos de idade. Ele apela para o hipnotismo e induz o velho à regressão a tal ponto que atinge momento anterior ao nascimento de Nemo.

Se Jaco Van Dormael já surpreendeu com situações e fatos inusitados fora da realidade corrente na qual o tempo tem um sentido único e também apresentando teorias sobre a criação do universo, agora ele vai avançar ainda mais e especular sobre a vida antes da vida.

Como disse, a regressão chegou antes do nascimento de Nemo. Vejamos como foi apresentado esse momento. A sequência começa com tela branca e o foco em um unicórnio também branco. Pequenos vultos se movimentam, o ambiente é etéreo, celestial. Uma voz infantil: “Não posso recordar muito antes do meu tempo.” Os vultos vão ficando nítidos, são crianças, usam calcinhas brancas, andam de um lado para o outro. A criança continua: “Eu estava no céu, com aqueles que ainda não tinham nascido.” Música celestial, grande plano de um menino de olhos azuis, é Nemo: “Antes de nascermos já sabemos o que vai acontecer.” Plano de conjunto com o unicórnio e as crianças, ambiente enevoado. Nemo se aproxima, ele olha para cima e vê dois anjos em figura de mulher, com asas, flutuam no ar. Um deles aproxima-se e toca com o indicador os lábios de uma criança. Nemo explica: “Quando chega a sua hora os anjos colocam um dedo na sua boca.. E colocam um sinal no lábio superior. Isso significa que você esqueceu tudo. Mas o anjo se esqueceu de mim.” Ele não é tocado pelo anjo. Várias crianças afundam nas nuvens, em direção à terra. “E então você tem que encontrar o seu papai e mamãe, não é fácil escolher.”

Van Dormael continua inovando. Ele muda o estilo da narrativa. Para que Nemo possa escolher seus pais, vários casais se auto-apresentam a Nemo, na verdade ao espectador, olhando diretamente para a câmera e falando sobre suas expectativas em relação a um filho. A diversidade de tipos que se oferecem ao menino dá muitas opções de escolha a ele. Nemo escolhe um casal que, de início, se mostrou discreto, sem falar. Nemo comenta a escolha:

- No final, optei por eles. Porque a mulher cheirava bem, e o homem disse: “Bem, eu posso te dizer como nós nos encontramos satisfeitos. Foi o destino. Já ouviu falar do efeito borboleta?”

E Dormael cria uma fantasia interessante sobre a fantasia da frase que define o efeito borboleta, ilustrativo da teoria do caos. Vejamos.

Um oriental, parece ser um japonês, observa uma borboleta pousada em uma planta de pétalas brancas. A borboleta voa, o homem a acompanha com os olhos. Voa sobre um terreno florido, depois se transforma em uma folha, vai subindo, atravessa as nuvens, vai para longe, depois começa a descer em direção a casas e ruas, flutua em volta de um homem; a folha cai no chão, o homem pisa nela, escorrega, fica caído no chão. Uma mulher corre para ajudá-lo, abaixa-se, olha com interesse o homem, ele retribui a expressão. São os pais que Nemo escolheu, em seu primeiro encontro explicado pela teoria do caos, a borboleta que veio de Tóquio

Os primeiros anos da criança com os pais são apresentados resumidamente, um garoto esperto, pais nem tanto, até que o menino pergunta à mãe:

- Por que lembrar do passado, mas não do futuro? Quando você pergunta a mami diz: “Pare de perguntar o por quê.” É complicado.

É o gancho para “lembrar” do futuro. Nemo, velho, está deitado, dormindo. Alguém entra no quarto, furtivamente. Inadvertidamente chuta um tabuleiro de damas que está no chão; as peças, ao se espalharem, fazem barulho. Nemo acorda. O rapaz que chegara diz que é um jornalista. Na parede do quarto, em caracteres luminosos, somos lembrados da hora e dia correntes:

14:11

FEB/11/1092

O rapaz quer entrevistar Nemo, trouxera um antigo gravador de fita, conseguido no museu da universidade. Apesar da negativa inicial, depois que o jornalista aciona o gravador, Nemo acaba falando:

- Sou o Senhor Ninguém. Um homem que não existe.

- Recorda como era o mundo antes de cruzar a imortalidade?

- O quê?

- [...]. Infinita renovação celular. Como era quando os homens eram mortais?

- Havia automóveis e contaminação. Fumávamos cigarro. Comíamos carne. Fizemos tudo o que podíamos e foi maravilhoso. Na maioria das vezes nada acontecia. Como uma película francesa.

- E sexualmente? Antes que o sexo fosse obsoleto?

Nemo ri cinicamente: ”Nós transávamos. Todo mundo sempre mantinha relações sexuais. Apaixonávamos-nos. Nós nos apaixonávamos... Que horas são?”

Até esse momento do filme, como já registrei antes, foram 20 minutos de projeção. Logo após Nemo perguntar as horas há um corte e vem uma imagem que ilustra a explosão do Big Bang e são dadas as explicações sobre a origem do universo e as teorias correlatas, feitas pelo próprio Nemo, um jovem adulto na função de apresentador. As explicações científicas, que duram cerca de 70 segundos são inseridas como uma reportagem e foi analisando essa sequência que comecei a falar sobre Mr.Nobody.

A exposição de Nemo sobre o universo é encerrada com um corte que inicia uma nova explicação sobre o tempo. Entra agora uma voz infantil, é Nemo aos nove anos:

Se você misturar o purê com o molho, você não pode separá-los depois, e será para sempre [a realização da mistura é mostrada em imagens de acordo com a descrição]. A fumaça sai do cigarro de papai, mas nunca volta a entrar [também é mostrada a cena]

São mostradas na tela as engrenagens de um relógio e em seguida o mostrador é focado com o ponteiro dos minutos avançando.

Não podemos retroceder [vários pratos com docinhos diferentes são mostrados para o garoto]. Por isso que é difícil escolher. Tem que fazer a escolha correta. Enquanto não escolhe tudo continua a ser possível.

E Nemo se afasta da vitrine onde estavam expostos os docinhos, sem escolher nenhum. Ele joga uma moeda para cima e a apara na mão (é um cara ou coroa). Encontra no caminho três meninas juntas; cumprimentam-no; são elas: Anna, Elise e Jeanne.

O tempo avança, agora é enfocado o casamento de Nemo e Anna, grande plano dela e dele. Na mudança de plano é o casamento dele com Elise, grande plano dela e dele; e nova mudança e ele casa com Jeanne, grande plano dela e dele. Ou seja, ele teve, de fato, três escolhas diferentes. Em tempos diferentes? Em espaços alternativos? Em tempos diferentes e espaços alternativos? Em seguida ele beija as três, uma de cada vez em cenas separadas. Depois, grandes planos das três, uma de cada vez, quando crianças; e as três juntas sentadas em um banco. As próximas cenas são as saídas da igreja após os casamentos. Cada saída é enfocada em uma porta diferente da igreja, são três portas frontais. As mudanças são feitas após as passagens de automóveis à frente da câmera que encobrem a cena principal. Após a última saída da igreja, vem um plano de conjunto das três meninas. Estas sequências são cuidadosamente montadas por Dormael e indicam, com clareza, as três vidas de Nemo que serão mostradas no desenvolvimento do filme. O diretor é extremamente detalhista e cuidadoso nas composições.

Em 23 minutos de filme, completados com o citado plano das três meninas Anna, Elise e Jeanne, com riqueza de informações e detalhes, incluindo explicações de teorias científicas sobre o início e o fim do universo e a instigante reversão do tempo, Jaco Van Dormael dá ao espectador, melhor premia o espectador com um painel dos mais diversificados e bem construídos que já vi no cinema.

A história de Nemo Ninguém, que nasceu em 1975 e ainda está vivo em 2092, é o mistério que vai sendo desvendado em uma narrativa cinematográfica da melhor qualidade. Aliás, o cineasta associa com rara habilidade, elementos heterogêneos de composição, necessários quando se trata de percorrer um grande período de tempo, no caso 118 anos. Passa-se da segunda metade do século XX à última década do XXI, quando a viagem ao planeta Marte se realiza com muitos ocupantes em uma mesma nave, tudo controlado por computador.

Do homem que comia carne, fumava, fazia sexo, apaixonava-se e morria chega-se a uma sociedade tecnológica da era da informação na qual o sexo se tornou obsoleto, faz-se viagens interplanetárias e o ser humano atingiu a imortalidade pela infinita renovação celular.

O início de tudo, o Big Bang com a expansão do universo e o fim com a contração, o Big Crunch, avanço e reversão do tempo, são as referências básicas de Mr. Nobody, mas o foco principal é mesmo a tagédia humana, é a vida entre homem e mulher, são os relacionamentos interpessoais, os pais, a família, encontros e desencontros que Jaco Van Dormael revela desnudando a vida de Nemo com suas três mulheres e os relacionamentos consequentes que começam logo que ele veio à terra para nascer, sendo que a primeira decisão que ele teve que tomar foi a escolha dos pais. Na verdade, por trás de tudo está a complexidade e dificuldade em se tomar decisões uma vez que não se pode retroceder, o tempo tem um único sentido.

Vamos retomar a odisséia do Senhor Ninguém de onde paramos: as três meninas vistas em um mesmo plano, ou seja, nesse momento ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo. Aliás, melhor, antes, falar da popularização de conhecimentos científicos...

Referência

HAWKING, Stephen W. Uma breve história do tempo: do Big Bang aos buracos negros. Tradução de Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 1988/2000.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog!
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    *
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    O JARDIM DOS FINZI CONTINI, de Vittorio De Sica

    DOUGLAS SIRK POR RAINER WERNER FASSBINDER

    FLORINDA BOLKAN: DO NORDESTE PARA O MUNDO


    Até mais! Aguardamos você!
    Antonio Nahud Júnior
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