terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Árvore da Vida

A Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA, 2011), escrito e dirigido por Terrence Malick, é complexo, mas é inteligível. O título, no original e em português, já é um indicativo da abrangência do tema; uma árvore tem raízes, tronco e galhos com frutos e folhas que se projetam em várias direções; a pretensão do autor é claramente ambiciosa. O drama começa com a tragédia da perda de um filho de um casal que tinha três, história da vida de pessoas comuns e, talvez, uma das características que torna o filme bem aberto para apreciações diversas dentro da complexidade que vai sendo incorporada progressivamente. A década de 1950 é a referência temporal básica.
O sofrimento da mãe, o arrependimento e sentimento de culpa do pai pelo tratamento que dispensara ao filho começam a adensar a análise sobre a existência, que avança, praticamente sem atingir limite, em especulações psicológicas, filosóficas e religiosas.
As imagens do universo em fúria, em formação e se organizando, a origem, evolução e destino da matéria inerte e da vida, acompanhadas de imagens exuberantes, dão uma pausa à narrativa da tragédia humana, mas em seguida incorporam-se à busca de significado para a existência humana, à beleza da vida e às incertezas. Nem tudo no filme é para ser explicado, mas é para ser sentido no campo da emoção pura.
Os retornos à formação da família, ao namoro, à gravidez, ao nascimento, à realidade mais próxima das pessoas, ao cotidiano, às alegrias do convívio, à apreciação da natureza, trazem de volta a narrativa sequencial, em retrospecto; o passar inexorável do tempo, não há volta.
O’Brian (Brad Pitt) educa os filhos de modo rígido, chega a ser violento, sendo que Jack (Hunter McCraken), o filho mais velho, adolescente, é o alvo principal de ações paternas agressivas. O crescimento de Jack e dos irmãos se faz, nos primeiros tempos, acompanhado de carinho, carícias da mãe, a Senhora O’Brian (Jessica Chastain), de brincadeiras alegres e descontraídas das crianças e depois, de descobertas sobre o corpo e os próprios sentimentos, da percepção da espiritualidade, de cobranças e da imposição de limites.
A rigidez paterna causa forte reação de Jack que chega a desejar a morte do pai, ideia levada ao extremo de pensar em causar um acidente para matá-lo, oportunidade que surge quando O’Brian está debaixo de um automóvel suspenso por um macaco: bastaria um toque no macaco para o carro cair em cima do homem. A grosseria de O’Brian também leva a conflitos com a mulher a ponto de atingirem enfrentamento físico. Conselhos paternos atravessados são dados a Jack sob a alegação de que o pai se frustrou por ter sido passivo.
A morte e o sofrimento, a angústia, a insegurança, a incerteza, entram em análises verbais acompanhadas por imagens pertinentes ao discurso em sequências impregnadas de um sentimentalismo racional, construídas com bela fotografia e música incorporada em harmonia com o conteúdo e o ritmo da narrativa; a música é fundamental nas cenas de criação e expansão do universo. Na verdade, a fotografia, dirigida por Emmanuel Lubezki, a música de Alexandre Desplat e os sons de um modo geral, são essenciais para a harmonização de toda a diversidade imaginada por Terrence Malick.
Em sermão que se pode qualificar como pessimista, mas também realista, um sacerdote força os presentes a ouvirem reflexões que levam à frase síntese: “O infortúnio acontece aos bons também.”
Avançando no tempo, Terrence Malick leva o espectador a acompanhar Jack (Sean Penn) em fase adulta, transportando-o para o tempo atual com toda a carga dos conflitos pretéritos e mais a frieza do mundo moderno; inquieto e inseguro, Jack se debate em uma busca que o leva a inusitados locais até se encontrar com toda a família, em momentos emocionantes, carregados de símbolos, lembranças construídas com imagens de pessoas tranqüilas, enternecidas, intercaladas com vistas independentes da natureza. Os pais e Jack são apresentados em idade adulta e os irmãos ainda crianças. A música reforça o clima de harmonia. No final, Jack, na atualidade, um mundo de concreto, metálico e de arranha-céus, finalmente esboça um sorriso.
A árvore construída por Terrence Malick, de muitas raízes, ramificações e muitos galhos, gerou e deverá continuar gerando muitos frutos.

Paisagem na Neblina

Paisagem na Neblina (Topio Stin Omichli, Grécia, 1988), dirigido por Theo Angelopoulos com roteiro dele, de Tonino Guerra e de Thanassis Valtinos, enfoca o drama de duas crianças, uma menina de 11 anos, Voula (Tania Palaiologou), e um menino de cinco, Alexandro (Michalis Zeke), que adotam atitudes de adultos e são lançados, sem nenhuma proteção, no mundo despreparado para compreender e cuidar da infância. Eles vão sendo oprimidos seguidamente quando buscam um sonho: encontrar o pai que estaria na Alemanha, na verdade uma mentira inventada pela mãe deles para tentar encobrir o que nem mesmo ela sabia: quem eram os pais das crianças?
Um filme introspectivo, para reflexão, não só pelo tema, mas, sobretudo, pelo ritmo narrativo cadenciado por longos planos, as imagens permanecem na tela sem mudanças significativas, verdadeiros planos-sequências, que condicionam o espectador, exige uma postura reflexiva durante a exibição sob pena de se achar o filme monótono; é dado tempo, pelo estilo do diretor, para que cada um seja absorvido emocionalmente pelo drama das crianças, seja inserido numa tragédia que se aproxima inexoravelmente, não há como se esperar um final feliz. A música é um componente sensível, em vários momentos amplia-se o som com função de reforço às imagens; chama-se a atenção do espectador sublinhando o visual com explícita pontuação sonora.
As crianças, sem bilhetes de passagem, tentam várias vezes até que conseguem entrar em um trem com destino à Alemanha. Este foi só o primeiro obstáculo a vencer, o mais fácil. São flagrados sem os bilhetes e por isso deixadas na primeira parada do trem com o responsável pela estação. Um policial leva as crianças para deixá-las com um tio, irmão da mãe, claro. Em conversa reservada com o policial, o homem esclarece a situação e diz que não pode ficar com as crianças. A menina, no entanto, ouve a explicação do tio sobre a paternidade deles e, revoltada, diz que é mentira, que o pai está, sim, na Alemanha.
Levadas a um posto policial, elas escapam no momento em que começa a cair neve e as pessoas vão para a rua contemplar o fenômeno. Recomeça, então, a caminhada rumo à Alemanha. Eles conseguem pegar outro trem, mas não por muito tempo, fogem da fiscalização e voltam a caminhar, a pé.
O sonho das crianças é explicitado em monólogos oníricos da menina, por trás das imagens e sobre elas. Em várias ocasiões explicitam as esperanças de encontrar o pai; algumas frases são dirigidas diretamente a ele, como uma mensagem.
Como a narrativa desenvolve-se ao longo de uma extensa viagem, de trem, de caminhão, de motocicleta e a pé, as várias paradas em diversos locais dão oportunidade à inserção de fatos e situações, alguns deles inusitados e que não estão diretamente ligados à história, mas que servem para enriquecer, ampliar o foco da trama. Angelopoulos faz incorporações com muita propriedade e sensibilidade, dando elementos adicionais para a análise do filme e que, por associação e dedução, se aplicam ao ser humano em geral em sua busca de significado para a vida.
Um grupo teatral de parcos recursos em busca de um local para se apresentarem surge no caminho das crianças, mais diretamente um jovem do grupo, Orestes (Stratos Tzortzoglou), que lhes dá apoio; eles se tornam amigos, Orestes está prestes a se apresentar para o serviço militar, ele tem uma motocicleta. Assim, os meninos se deslocam de trem, a pé, de caminhão e de motocicleta. Os garotos passam um tempo com Orestes. Depois voltam a caminhar sós.
Além das dificuldades inerentes a caminhada sem recursos e até por causa disso, vem a crueldade. A menina é estuprada violentamente por um caminhoneiro que havia dado carona aos dois viajantes que buscam um sonho irrealizável. Mas não desistem, continuam em direção à Alemanha.
Eles voltam a se encontrar com Orestes e a motocicleta passa a ser o meio de transporte dos três, antes de nova entrada em trem até a fronteira com a Alemanha.
Vão a uma praia, alegres pelo reencontro; Orestes tenta uma dança com Voula, mas ela não corresponde; na verdade a proximidade com o rapaz causa nela uma reação explosiva, ela se afasta correndo, abaixa-se à beira mar, brinca com a areia. Ela está mudando, está amadurecendo, é mulher. Algum tempo depois os dois meninos estão dormindo numa cama de hotel, Orestes está com eles, em outro quarto. A menina se levanta, sai do quarto, caminha até outra porta, abre-a e some na escuridão. O plano seguinte mostra uma cama vazia e a menina acendendo a luz. Novo corte e Orestes aparece, na rua, sentado diante do mar.
Destaco outro momento. Orestes com os garotos vai de motocicleta a um campo aberto onde dezenas de motoqueiros se deslocam da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, para frente, para trás. Orestes vende o veículo, mas diz que só o entrega no dia seguinte, ele pretende levar as crianças na estação ferroviária. É uma sequência de muita movimentação externa, que vai terminar em um bar-boate, um ambiente de penumbra, fumaça de cigarro, pessoas se movimentando em ritmo de dança ao som de música, certamente um ambiente inadequado e carregado para as crianças, que estão numa escada, sentadas. Mas, o que há de mais chocante é que Toula vê Orestes se afastar com um rapaz, o comprador da moto; as imagens dão a entender que os dois vão ter um relacionamento íntimo.
Imediatamente após Toula ficar estática observando a cena, ela e o irmão aprecem na rodovia, caminhando, é noite. Orestes chega de moto, tenta se reconciliar com a menina, mas ela é radical. Continua a caminhada com o irmão e deixa Orestes para trás.
De um modo inusitado a menina consegue dinheiro, compra passagens de trem, e então não temem mais a fiscalização. Quando o fiscal chega ao compartimento onde estão, ela entrega-lhe os bilhetes, o menino está ao lado dela, os dois se olham, sorriem, finalmente podiam ir tranqüilos. No entanto, uma voz no alto falante do trem os traz novamente à dura realidade: “Por favor, passageiros com destino à Alemanha... preparem seus passaportes para o controle de fronteira”. As crianças olham para cima, para o alto-falante de onde vem a voz, parece não acreditarem no que ouvem: “Repito: por favor, passageiros com destino à Alemanha preparem seus passaportes para o controle de fronteira”. Há um corte.
A cena subseqüente mostra um soldado caminhando de um lado para o outro em uma parte elevada do terreno. Os meninos aparecem e cruzam a elevação tão logo o soldado se afasta. Descem no terreno. Uma torre de controle aparece, na parte superior um holofote se desloca iluminando o terreno com fachos de luz. A menina fala na escuridão: “Do outro lado do rio fica a Alemanha”. O foco de luz da torre passa e eles aproveitam e correm na escuridão. Agacham-se na base da torre. Eles correm e entram em um pequeno barco que está na margem do rio.
Centrado no sonho das duas crianças, o diretor e os roteiristas utilizaram, também, um recurso próprio do cinema: a incorporação da narração oral sobre as imagens filmadas. A menina Voula, em sonhos, relata o que se passa com eles, dirigindo-se ao pai ausente. Em um desses momentos, enquanto dorme em um banco de um bar e o menino de joelhos no banco olha para fora por uma janela, ela mesmo, ou melhor, a voz dela, complementa a cena: “Querido pai: Quão longe você está! Alexandro disse que em seus sonhos enxergava você muito próximo. Se ele esticasse a sua mão ele teria tocado você”.
Em outra ocasião, enquanto dorme em um trem, volta o complemento oral:

Viajamos continuamente. Tudo passa rapidamente. As cidades, as pessoas. Mas às vezes nos sentimos muito cansados que esquecemos de você e não sabemos se vamos prosseguir ou retornar. E então nos perdemos. Alexandro cresceu muito. Ele se tornou muito sério. Veste-se sozinho. Diz coisas que você nem imagina. Eu, estes últimos dias, fiquei muito doente, fervia de febre. Agora, pouco a pouco estou melhorando. É uma longa caminhada até a Alemanha.
[...]


No final do filme, a voz de Voula é fundamental, repete palavras do início do filme e então, complementa o conjunto.
Talvez a sequência inusitada mais significativa seja a que envolve os três personagens centrais próximo de um monte de lixo em uma rua. Orestes pega nos detritos um pequeno pedaço de filme, alguns fotogramas, olha-o contra a claridade, o menino diz que nada vê na película, mas Orestes insiste:

- Olhe com atenção.
- Nada
- Está vendo? Atrás da neblina. Atrás. Distante....Você não vê uma árvore?
- Não.
- Eu muito menos. Estava brincando.


Mesmo sem nada impresso, o menino pede o pedaço de filme e Orestes o entrega. Digo que é importante a sequência porque tem a ver com a cena final como se irá ver mais à frente.
Bem, voltemos ao ponto da narrativa no qual parei. Os meninos chegam à fronteira, um soldado-sentinela caminha de um lado para o outro, há um posto de controle, uma torre no alto da qual há um holofote cujo facho de luz se desloca pelo terreno à busca de intrusos. Há um rio, a Alemanha está do outro lado. As crianças correm evitando a luz. Um pequeno barco está na margem. Eles entram no barco que desliza lentamente pela água, afastando-se da margem em direção ao outro lado, à Alemanha. Está escuro, mas o facho ilumina o barco, há um grito de alerta e um tiro seco. Escuridão.
Então a tela fica totalmente clara, inicialmente sem imagem, só a neblina branca. Lentamente aparecem vultos. O garoto se levanta.

- Acorda, já amanheceu, estamos na Alemanha.

Aos poucos a imagem do menino vai se firmando.

- Estou com medo.
- Não tenha medo. Vou lhe contar uma história. No princípio era a escuridão. No princípio era a escuridão.

O menino continua olhando para a câmera, para o espectador, acena com a mão direita.

- Então fez-se a luz.

Ainda na neblina, a menina se aproxima do garoto. A música entra dolente. A neblina está se dissipando. Os dois olham para uma árvore, à frente deles, distante, agora eles estão de costas para a câmera. O garoto segura a mão da menina e os dois saem caminhando em direção à árvore. Uma lenta caminhada com a música acompanhando. Em dado momento eles correm. A câmera fica no mesmo lugar, eles agora estão longe. Encostam-se no tronco da árvore. É como se eles se fundissem à árvore, mas se destacam no tronco, são figuras escuras. A tela escurece, é o fim do filme.
Na verdade, no início do filme, na escuridão do quarto , após tentativa frustrada de entrarem em um trem, na hora de dormir, um deles narra o conto deles:

No princípio era a escuridão e depois se fez a luz. E a luz se separou das trevas e a terra do mar e se formaram os rios, os lagos, e as montanhas. E então as flores e as árvores, os animais, os pássaros.

Toda essa narrativa é feita com a tela escura. De repente um ranger de porta e uma fala: “Deve ser mamãe. Este conto não vai acabar nunca, sempre nos interrompem”.
Por baixo da porta o piso externo ao quarto aparece iluminado, ouvem-se passos. Alguém passa pela luz, a porta é aberta e o quarto recebe luz de fora. A claridade avança até as crianças, elas estão deitadas na cama, fingem que dormem. A porta é fechada, tudo escurece.
Paisagem na Neblina é belo, instigante, polêmico, cruel, poético. Imagens, palavras, sons diversos, música, todos esses elementos se encaixam, se harmonizam criando uma cadência, um ritmo narrativo formalmente adequado ao desenvolvimento do conteúdo. Para finalizar uma pergunta: a última sequência se passa após a morte das crianças, em um plano puramente espiritual, ou é um recurso próprio do cinema no campo do ideal imaginado pelos autores? Para mim cabem as duas interpretações, sendo que a primeira está mais para a lógica da narrativa, as crianças foram baleadas e morreram.

sábado, 31 de dezembro de 2011

CINEMA – MELHORES DE 2011 em Belém

CINEMA – MELHORES DE 2011 em Belém

Arnaldo Prado Junior

FILMES

  1. A Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA, 2011), de Terrence Malick
  2. Melancolia (Melancholia, Dinamarca/Suécia/França/Alemanha, 2011), de Lars Von Trier
  3. Filme Socialismo (Film Socialisme, Suíça/França, 2010), de Jean-Luc Godard
  4. Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010), de Darren Aronofsky
  5. Em um Mundo Melhor (Haevnen, Dinamarca/Suécia, 2010), de Susanne Bier
  6. A Fita Branca (Das Weisse Band, Alemanha/Áustria/França/Itália, 2009), de Michael Haneke
  7. Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, EUA, 2010), de John Cameron Mitchell
  8. Cópia Fiel (Copie Conforme, França/Itália/Bélgica, 2010), de Abbas Kiarostami

9. Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Loong Boonmee Raleuk Chat, Tailândia/UK/França/Alemanha/Espanha/Holanda, 2010), de Apichatpong Weerasethakul

10. Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, Espanha/EUA, 2011), de Woody Allen

DIRETOR

- Terrence Malick, de A Árvore da Vida

ROTEIRO ORIGINAL

- Terrence Malick, de A Árvore da Vida

ROTEIRO ADAPTADO

- David Lindsay-Abaire, por Reencontrando a Felicidade (Baseado em peça (play) dele próprio)

ATOR

- Mikael Persbrandt, em Em um Mundo Melhor

ATOR-COADJUVANTE

- Ulrich Thomsen, em Em um Mundo Melhor

ATRIZ

- Natalie Portman, em Cisne Negro

ATRIZ COADJUVANTE

- Charlotte Gainsbourg, em Melancolia

MONTAGEM

- De A Árvore da Vida

CENOGRAFIA

- De Cisne Negro

FOTOGRAFIA

- Emmanuel Lubezki por A Árvore da Vida

TRILHA SONORA

- De Cisne Negro

FIGURINO

- Jacqueline West, de A Árvore da Vida

FEITOS ESPECIAIS

- De A Árvore da Vida

DOCUMENTÁRIO

- A Terra da Lua Partida, de Marcos Negrão e André Rangel

ANIMAÇÃO

- O Mágico (L’Illusionniste, Reino Unido/França, 2010), de Sylvain Chomet

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Palestra Histórias em Quadrinhos e Cinema - evento GibiMais

ROTEIRO

1 INTRODUÇÃO
2 ORIGEM
2.1 SURGIMENTO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
2.2 INVENÇÃO DO CINEMA

3 LINGUAGENS
3.1 LINGUAGEM DOS QUADRINHOS
3.1.1 “Sedução dos Inocentes”
3.1.2 Heróis e super-heróis na Segunda Guerra Mundial
3.2 LINGUAGEM DO CINEMA
3.3 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
4 PERSONAGENS DOS QUADRINHOS NO CINEMA
4.1 HERÓIS DO ESPAÇO
4.2 HERÓIS DE MÁSCARA E FANTASIADOS
4.3 OS SERIADOS
4.4 LONGAS-METRAGENS

BIBLIOGRAFIA

CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995
CIRNE, Moacy. Quadrinhos, sedução e paixão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
CLARK, Alan e Laurel. Comics: uma história ilustrada da B. D. Hong Kong: Green Wood, 1991
COMICS. From Wikipédia, the free encyclopedia. Disponível em: http:// en.wikipedia.org/wiki/Comics
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
GOIDANICH, Hiron Cardoso. Enciclopédia dos quadrinhos. Porto Alegre: L&PM, 1990.
GUBERN, Román. El lenguage de los comics. . Barcelona: Península, 1974.
______ . Literatura da imagem. Rio de Janeiro: Salvat, 1979. Coleção Salvat de Grandes Temas, Vol. 57.
MASCARELLO, Fernando. História do cinema Mundial. 4 ed. Campinas, SP: Papirus, 2008.
MARCEL, Martin. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2007.
MENDO, Anselmo Gimenez. História em quadrinho: impresso VS. Web. São Paulo: UNESP, 2008.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Reencontrando a Felicidade

A perda de um filho de três anos de idade, atropelado por um carro quando corria atrás do cachorro da casa é uma tragédia inaceitável para Becca (Nicole Kidman), a mãe do menino. Haveria um culpado? O marido Howie (Aaron Eckhart) porque quiz ter o cachorro em casa contra a vontade dela? Ela que deixara o filho e foi fazer outra coisa? O rapaz atropelador Jason (Miles Teller) que excedera o limite de velocidade para o local? Se Deus queria uma alma, por que não criou uma já que é todo poderoso? Era inadmissível comparar a morte do filho com a do irmão dela Arthur, que morrera de overdose, aos 30 anos; Becca revoltava-se quando a mãe dela Nat (Dianne Wiest) fazia essa comparação.

Em casa o marido procurava preservar as lembranças do filho e ela tentava descartar-se de tudo que o lembrava. Uma vida insuportável de permanente revolta, nem pensar em ter outro filho. A vida do casal chegava ao limite do suportável. A freqüência a um grupo de auto-ajuda do qual participava por insistência do marido só servia para aumentar a revolta de Becca.

Resumidamente é esta a linha da história de Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, EUA, 2010) com roteiro de David Lindsay-Abaire baseado na peça dele mesmo; o filme é dirigido por John Cameron Mitchell. O drama de Becca começa a tomar novo rumo quando ela avista, por acaso, em um ônibus escolar, um jovem que a espanta ao reconhecê-lo. Ela segue o veículo de carro até o momento em que o rapaz salta e se dirige a casa onde mora. Ela seguidamente segue o ônibus até que ele mesmo, que percebera o que ela fazia, a surpreende quando ela vê que ele não saltara do veículo. Ela e o jovem iniciam conversas cordiais, que se tornam amigáveis e até ternas. É nesse momento que a história passa a se encaminhar para o inusitado, o improvável: Jason é o atropelador do filho de Becca.

Cameron Mitchell e Lindsay-Abaire realizaram um filme que transita por sentimentos variados e contraditórios na complexidade das reações psicológicas diante de situações extremas a que é levado o ser humano quando a tragédia o atinge. A mente se descola da racionalidade e a total incompreensão leva à revolta e às vezes ao desespero com conseqüências desastrosas. A quebra do que se considera sequência normal dos fatos desestabiliza, desestrutura e a pessoa se torna reativa a tudo e a todos. Os mais próximos, em geral também envolvidos, são os mais atingidos. Os de fora nem conseguem se aproximar.

Mas a vida continua e é preciso reencontrar o caminho da normalidade. Essa volta não se consegue puramente apelando-se para a lógica construída pelo ser humano, é preciso usar a razão em um plano mais elevado, mas que também não é suficiente. As explicações, sobretudo as dos outros, dificilmente têm efeito construtivo, às vezes até atrapalham porque, em geral, já passaram pela mente da própria pessoa atingida pelas consequências da tragédia. Importante é não se desesperar e acreditar que o reequilíbrio é conseqüência natural da continuidade dos acontecimentos, observados com atenção; a própria mente, se deixada sem uma busca incessante de solução, poderá se auto-recompor encarando uma nova realidade, primeiro como suportável e depois como natural no processo de vida. Certamente não é fácil atingir essa compreensão, esse nível em que volta a ser possível a pessoa ser feliz.

As explicações dadas pelos familiares, pelo marido e pela mãe, não satisfaziam Becca, e sua situação se complicava com os conflitos que tinha com a irmã. Sem saída ela buscou, por ela mesma, um caminho que poderia parecer absolutamente incompreensível: dialogar com o rapaz que foi o responsável pelo último ato que levou à tragédia. Uma nova perspectiva surge, então, com base na imaginação. Jason desenhava uma história em quadrinhos intitulada “Rabbit Hole”, um título retirado da história “Alice no País das Maravilhas”, um mundo de sonho, de fantasia. E havia um livro sobre universos paralelos, leitura do rapaz que Becca descobriu em uma biblioteca para onde o seguira. A mulher especula sobre a existência de um mundo no qual ela seria uma pessoa alegre.

Becca se aproximou de Jason. O que diria Howie sobre isto?

Assim, o inesperado, o encontro casual com Jason, surge como opção e escolhido por Becca para realizar uma busca até então sem rumo, encontrar um significado para a vida inexistente desde a morte do filho. É o inusitado também para o espectador. E pelo menos uma questão surge: como garantir continuidade e homogeneidade à história entrando-se praticamente em um mundo paralelo, uma nova realidade? A mãe e o atropelador do filho em um relacionamento improvável e a manutenção da vida familiar? John Cameron Mitchell consegue e muito bem. A dificuldade maior era, penso, dar credibilidade aos comportamentos desses dois personagens. Nicole Kidman está excelente, opera a transição psicológica com muita sensibilidade; Miles Keller está à altura do desafio. Diane Wiest não é mais a mulher bela de antes, mas continua uma bela atriz, mantém o belo sorriso que termina com os olhos fechados. Aaron Eckhart , que desiste de um encontro amoroso com uma companheira de grupo de ajuda mútua Gaby (Sandra Oh) por amor à Becca e se enfurece ao ver Jason entregar sua história em quadrinhos à sua mulher, desempenha com convicção o papel do marido paciente e preocupado, vivendo também o drama da tragédia. Tammy Blanchard é a irmã Izzy, faz bem a jovem liberta, contraponto a Becca. Giancarlo Esposito como o pai do filho que Izzy espera está bem no papel. Sandra Oh faz bem a mulher que poderia ser um consolo para amenizar a falta que Howie sentia de Becca. Se destaquei esses atores/personagens foi porque tiveram grande importância no conjunto do drama. Importantes todos, mas Nicole Kidman é quem sustenta com muita firmeza as alternâncias comportamentais da personagem.

Tratar de uma perda trágica, no caso a morte precoce de um filho criança, uma espécie de quebra da normalidade cronológica da vida quando se diz que os pais não devem sobreviver aos seus descendentes, é um tema recorrente na literatura e no cinema. Assim, não é novidade ao ser desenvolvido em Reencontrando a Felicidade. No entanto, o que há de novo, de criativo no filme, é o tipo de tratamento dado, melhor dizendo, a vertente escolhida, muito bem trabalhada pelo roteirista, que é o próprio autor da história, e pelo diretor do filme. O caminho psicológico recomendado pela padrão de solução é seguido, mas há um elemento novo que se torna chave nas especulações, avaliações e mudança comportamental da personagem principal: a existência de mundos paralelos. No caso não interessa se essa possibilidade tem fundamento científico ou se está no domínio da ficção científica, interessa que tenha existência no mundo psicológico e funcione como uma alternativa para o retorno à compreensão e à racionalidade, entender a imprevisibilidade da vida. John Cameron Mitchell foi muito competente e sensível como avalista dessa vertente e conduziu a narrativa, o desenvolvimento do filme, em um nível superior de percepção humana e artística, validando a alternativa ao personagem para aceitar como instrumento de revisão comportamental. A riqueza do cinema não está somente em descobrir temas novos, mas tratar temas novos ou recorrentes de modo criativo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Nós que nos Amávamos Tanto

A sessão Cult do Cine Líbero Luxardo do dia 4 de junho de 2011, além de ser uma homenagem ao diretor Ettore Scola feita pela ACCPA exibindo seu filme Nós que nos Amávamos Tanto (C’ Eravamo Tanto Amati, 1974), faz um reconhecimento a outros cineastas, com trechos do filme de Scola dedicados a eles.
Depois do início em cores, indicando a época atual dos personagens, 1974, volta-se a 1944, com imagens em preto e branco, com um grupo de combatentes italianos preparando explosivos para atingir um comboio de guerra alemão em uma gelada rodovia. Após o dispositivo de detonação ser acionado por um dos homens, a cena seguinte não é da explosão, mas sim de uma comemoração popular nas ruas da cidade. Um dos personagens faz a narração:

"- A Itália foi libertada. A guerra acabou e começou o pós-guerra. A paz nos separou. Em 1946, Gianni, Antonio e eu, cada um na sua cidade...participamos dos tempestuosos dias do referendo. Monarquia ou República?"

Antonio (Nino Manfredi), em Roma, retornou ao trabalho de antes da guerra, empregado no Hospital São Camilo; Nicola Palumbo (Stefano Satta Flores), em Nocera Inferiore, casou-se e era professor no Liceu Giambattista Vico e Gianni Perego (Vittorio Gassman), em Pavia, conseguiu se formar em Direito são os três personagens centrais da história e que, também, são narradores durante a ação. Antonio avança com o relato:

"- Para a história convém recordar que em 1947 ...De Gaspari obtendo dos EUA um empréstimo de 100 milhões de dólares...por acaso baniu do Governo comunistas e socialistas. Em seguida os funcionários cristão-democratas, protegidos pelas freiras...foram promovidos a enfermeiros...mas eu, que tinha um partido político diferente... permaneci como simples auxiliar.
[...]
- Mas foi também um ano maravilhoso...porque tive o grande encontro da minha vida."


Era uma bela paciente, tivera uma tontura e desmaiara na rua, Luciana Zanon (Stefania Sandrelli). O ideal dela era ser atriz.
Em estilo de documentário, Scola mostra os primeiros anos do pós-guerra situando o ambiente político e apresentando os personagens principais. Em seguida vai para a narrativa corrida. Após 54 minutos de filme o tempo dá um avanço significativo e, para marcar esse avanço, Scola volta ao colorido, em uma sequência de rara criatividade, na qual figuras desenhadas no chão vão recebendo cores, juntamente com o ambiente
Desde o início, o diretor estabeleceu uma parceria entre ele, os personagens/narradores e o espectador para desenvolver a história. Introduz, ainda, outro recurso: a câmera destaca um personagem com iluminação enquanto os outros ficam na penumbra e estáticos; o personagem focado, então, fala; o que ele diz é a expressão do próprio pensamento; a convenção é que ninguém o ouve na cena, nem mesmo o personagem a quem ele se dirige.
Ettore Scola utiliza-se, ainda, de inserções de trechos de filmes como Ladrões de Bicicletas, de Vittorio De Sica e uma sequência com Federico Fellini, simulando a preparação de uma cena de A Doce Vida; cenas estáticas de O Eclipse de Michelangelo Antonioni, intercaladas no monólogo de Elide (Giovanna Ralli), filha de Romulo Catennaci (Aldo Fabrizi), o capitalista corrupto e cínico, ela que se casara com Gianni; ao gravar um depoimento, ela se manifesta sobre os abismos da alma feminina e da comunicação com os mortos. Essa comunicação ela a faz com Gianni, mas ele vivo e ela morta, depois de um acidente de automóvel aparentemente provocado por ela. Esta cena é mais uma variação estilística. A cena não tem, na verdade, nada de comunicação dos mortos, é um recurso narrativo no plano temporal.
Outra sequência homenageia mais um grande cineasta. Nicola e Juliana estão no topo de uma escadaria e Antonio sentado no último degrau abaixo. Ele, subindo e descendo degraus, gesticulando, empolgado, descreve em detalhes, dramatizando com humor, a clássica sequência na escadaria de Odessa de O Encouraçado Potenkin, de Sergei Eisentein, realizado em 1925.
Em outro momento Ettore Scola usa uma sequência de um filme na qual a personagem de Kim Novak conversa com um personagem masculino. O diálogo apresentado, no entanto, é como se os personagens fossem Luciana e Antonio; a cena termina com um beijo; os dois assistiam ao filme.
Há uma sequência com Vittorio De Sica obtida de arquivo e inserida como se existisse no tempo do filme de Scola.
Ettore Scola não ideologiza o discurso, não é panfletário, mas não deixa de mostrar confrontos ideológicos, sendo que, um debate após a exibição de Ladrões de Bicicletas, no Liceu Giambattista Vico, onde Nicola dava aulas, é bem ilustrativo em relação à generalização de tendências radicais opostas.
Nós que nos Amávamos Tanto, com história, roteiro e diálogos de Agenore Incrocci, Furio Scarpelli e Ettore Scola, na diversidade temática e de estilos, é harmônico, sensível, vigoroso, contundente, sentimental, trágico, nostálgico... é uma prova da vitalidade de Ettore Scola há 40 anos, ainda vivo em 2011, com 80 anos e que mereceu aplausos ao final da exibição na sessão Cult do Cine Líbero Luxardo.

sábado, 26 de março de 2011

O SEGUNDO ROSTO

Minha primeira manifestação durante o debate, após a exibição de "O Segundo Rosto" (Seconds, EUA, 1966) na sessão Cult do Cine Líbero Luxardo de 12 de março de 2011 foi considerar a última sequência como de horror, com o terror pânico do personagem Antiochus ‘Tony’ Wilson (Rock Hudson) atingindo o espectador com a platéia atenta e em silêncio. Dirigido por John Frankenheimer, com roteiro de Lewis John Carlino baseado na novela de David Ely, o filme conta uma estranha história na qual o banqueiro Arthur Hamilton (John Randolph) tem a morte simulada por uma empresa que, também, se encarrega de renascê-lo realizando uma radical operação cirúrgica nele, que transforma totalmente seu aspecto físico além de dar-lhe a identidade de um artista, o pintor Antiochus ‘Tony’ Wilson, um renascimento desejado por Hamilton que não estava satisfeito com a vida que tinha, apesar do sucesso profissional alcançado por ele.
Com a nova configuração física Arthur/Tony vai passar por um processo de adaptação monitorado pela firma. É levado a novas experiências de vida acompanhado por Nora Marcus (Salome Jeus); ele pensa tê-la encontrado casualmente, mas depois sofre a frustração de saber que ela era empregada da empresa. Tony é envolvido por Nora que o leva a uma festa ao ar livre que tem o ponto culminante quando participantes do evento ficam nus, mulheres e homens, e entram em um enorme tonel para amassar uvas. Mais de uma dezena de pessoas se comprimem no recipiente, pisando nas uvas, caindo, esfregando-se umas nas outras por causa do exíguo espaço para tanta gente; estão alegres, riem totalmente descontraídas, soltas. É um momento crucial para Tony que, inicialmente, reage, não quer participar, mas é despido sob protestos seus e jogado no tonel; todos fazem festa, menos ele. Mas, da reação passa à aceitação e participação ativa no esmagamento das uvas, acaba integrando-se prazerosamente ao grupo. Parece um momento de libertação para ele.
Depois, sempre acompanhado por Nora, participa de uma festa, também organizada pela firma. É uma reunião social sofisticada, com participantes estranhos, na verdade são pessoas renascidas como ele, de comportamentos forçados. Tony bebe em excesso, até cair.
Após a ressaca ele consegue escapar do controle e volta à sua antiga residência para conversar com sua mulher Emily (Frances Reid) sem que ela saiba quem é ele; ele se diz amigo de Arthur. Enorme frustração. O perfil que ela faz do marido e da convivência que tivera com ele são decepcionantes.
Ele volta à firma, pretendendo um novo renascimento para que, então sim, ele possa reconstruir a vida sob controle próprio, ele mesmo tomando as decisões sem influência dos outros. No entanto, para que a firma aceite repetir o processo é preciso que Tony consiga um novo cliente candidato a renascimento, afinal a firma é uma empresa de negócios. Na verdade, ele próprio fora convencido a participar do renascimento por um velho amigo muito próximo, Charlie Evans (Murray Hamilton), dado como morto, ou seja, que já tinha passado pelo renascimento.
Como Tony não consegue tal candidato a firma o coloca na fase dois do processo: de candidato ao renascimento ele passa a ser candidato a cadáver. Claro, para cada simulação de morte de um cliente a empresa precisa de um cadáver para se passar pelo candidato ao renascimento. Ele é colocado em uma maca, pensa que vai passar por uma nova transformação física, uma nova operação cirúrgica, mas quando entende seu novo destino é tarde demais, pois ele está firmemente preso na maca, não pode escapar. O terror pânico pelo qual ele passa nesses momentos faz a platéia ficar em silêncio, é uma cena de horror.
Terminada a exibição, estabeleci mentalmente uma classificação para o filme: ficção científica e horror, com uma clara mensagem aberta a diversas interpretações. A mensagem: pessoas vivem insatisfeitas com suas vidas atuais apesar de bem posicionadas em suas atividades profissionais e buscam modificá-las, chegando a imaginar uma mudança radical; na novela de David Ely é incluída a mudança física radical.
Vi no filme um relato muito bem feito de uma experiência inusitada de transformação mal sucedida e que, a partir de uma nova transformação, apesar da experiência acumulada na primeira, uma nova tentativa também não daria certo. Na verdade, todos os renascidos, de fato, mais cedo ou mais tarde, seriam levados à segunda fase da experiência: ser cadáver.
Durante o debate houve uma manifestação, segundo entendi, mas não sei se foi isso mesmo, que considerava a segunda tentativa de renascimento com garantia de sucesso, pois Arthur/Tony, então, decidiria por si mesmo, estaria no comando de suas ações sem influência de outros, nem da firma. Claro que isto não seria possível, pois a presença da firma, por si só, exigiria controle externo. Mais uma triste ilusão no nível de entendimento do personagem; e não porque tal controle pessoal não seja possível. É possível, sim, mas com a mudança de referências e parâmetros de felicidade definidos por uma sociedade baseada no consumismo em bases materiais. Não falo aqui em religião, é outro plano, mas no plano puramente psicológico. Aliás, em relação à religião os autores são cínicos, ao apresentarem o religioso que vai acompanhar Arthur/Tony nos últimos momentos de vida. Ele pergunta qual a atual religião do condenado, mas se antecipa dizendo que está preparado para consolá-lo em qualquer religião, observação feita cinicamente.
Para concluir com menos especulação e mais objetividade, considero O Segundo Rosto um excelente filme. Frankenheimer, Carlino e Ely construíram uma ficção científica trágica significativamente pertinente em relação às insatisfações humanas, aos sonhos e delírios que nos acompanham. A funcionalidade com que são aplicados os recursos da linguagem cinematográfica, incluindo a mobilidade de câmera e os enquadramentos em grandes planos, deram à narrativa um clima adequado a uma história de ficção científica e de mistério, à qual os atores se integraram como elementos plausíveis e essenciais com interpretações convincentes. Destaque para John Randolph que viveu o personagem central como banqueiro e para Rock Hudson que o interpretou como artista, como pintor. O filme merece mais do que tem conseguido.