terça-feira, 28 de junho de 2011

Nós que nos Amávamos Tanto

A sessão Cult do Cine Líbero Luxardo do dia 4 de junho de 2011, além de ser uma homenagem ao diretor Ettore Scola feita pela ACCPA exibindo seu filme Nós que nos Amávamos Tanto (C’ Eravamo Tanto Amati, 1974), faz um reconhecimento a outros cineastas, com trechos do filme de Scola dedicados a eles.
Depois do início em cores, indicando a época atual dos personagens, 1974, volta-se a 1944, com imagens em preto e branco, com um grupo de combatentes italianos preparando explosivos para atingir um comboio de guerra alemão em uma gelada rodovia. Após o dispositivo de detonação ser acionado por um dos homens, a cena seguinte não é da explosão, mas sim de uma comemoração popular nas ruas da cidade. Um dos personagens faz a narração:

"- A Itália foi libertada. A guerra acabou e começou o pós-guerra. A paz nos separou. Em 1946, Gianni, Antonio e eu, cada um na sua cidade...participamos dos tempestuosos dias do referendo. Monarquia ou República?"

Antonio (Nino Manfredi), em Roma, retornou ao trabalho de antes da guerra, empregado no Hospital São Camilo; Nicola Palumbo (Stefano Satta Flores), em Nocera Inferiore, casou-se e era professor no Liceu Giambattista Vico e Gianni Perego (Vittorio Gassman), em Pavia, conseguiu se formar em Direito são os três personagens centrais da história e que, também, são narradores durante a ação. Antonio avança com o relato:

"- Para a história convém recordar que em 1947 ...De Gaspari obtendo dos EUA um empréstimo de 100 milhões de dólares...por acaso baniu do Governo comunistas e socialistas. Em seguida os funcionários cristão-democratas, protegidos pelas freiras...foram promovidos a enfermeiros...mas eu, que tinha um partido político diferente... permaneci como simples auxiliar.
[...]
- Mas foi também um ano maravilhoso...porque tive o grande encontro da minha vida."


Era uma bela paciente, tivera uma tontura e desmaiara na rua, Luciana Zanon (Stefania Sandrelli). O ideal dela era ser atriz.
Em estilo de documentário, Scola mostra os primeiros anos do pós-guerra situando o ambiente político e apresentando os personagens principais. Em seguida vai para a narrativa corrida. Após 54 minutos de filme o tempo dá um avanço significativo e, para marcar esse avanço, Scola volta ao colorido, em uma sequência de rara criatividade, na qual figuras desenhadas no chão vão recebendo cores, juntamente com o ambiente
Desde o início, o diretor estabeleceu uma parceria entre ele, os personagens/narradores e o espectador para desenvolver a história. Introduz, ainda, outro recurso: a câmera destaca um personagem com iluminação enquanto os outros ficam na penumbra e estáticos; o personagem focado, então, fala; o que ele diz é a expressão do próprio pensamento; a convenção é que ninguém o ouve na cena, nem mesmo o personagem a quem ele se dirige.
Ettore Scola utiliza-se, ainda, de inserções de trechos de filmes como Ladrões de Bicicletas, de Vittorio De Sica e uma sequência com Federico Fellini, simulando a preparação de uma cena de A Doce Vida; cenas estáticas de O Eclipse de Michelangelo Antonioni, intercaladas no monólogo de Elide (Giovanna Ralli), filha de Romulo Catennaci (Aldo Fabrizi), o capitalista corrupto e cínico, ela que se casara com Gianni; ao gravar um depoimento, ela se manifesta sobre os abismos da alma feminina e da comunicação com os mortos. Essa comunicação ela a faz com Gianni, mas ele vivo e ela morta, depois de um acidente de automóvel aparentemente provocado por ela. Esta cena é mais uma variação estilística. A cena não tem, na verdade, nada de comunicação dos mortos, é um recurso narrativo no plano temporal.
Outra sequência homenageia mais um grande cineasta. Nicola e Juliana estão no topo de uma escadaria e Antonio sentado no último degrau abaixo. Ele, subindo e descendo degraus, gesticulando, empolgado, descreve em detalhes, dramatizando com humor, a clássica sequência na escadaria de Odessa de O Encouraçado Potenkin, de Sergei Eisentein, realizado em 1925.
Em outro momento Ettore Scola usa uma sequência de um filme na qual a personagem de Kim Novak conversa com um personagem masculino. O diálogo apresentado, no entanto, é como se os personagens fossem Luciana e Antonio; a cena termina com um beijo; os dois assistiam ao filme.
Há uma sequência com Vittorio De Sica obtida de arquivo e inserida como se existisse no tempo do filme de Scola.
Ettore Scola não ideologiza o discurso, não é panfletário, mas não deixa de mostrar confrontos ideológicos, sendo que, um debate após a exibição de Ladrões de Bicicletas, no Liceu Giambattista Vico, onde Nicola dava aulas, é bem ilustrativo em relação à generalização de tendências radicais opostas.
Nós que nos Amávamos Tanto, com história, roteiro e diálogos de Agenore Incrocci, Furio Scarpelli e Ettore Scola, na diversidade temática e de estilos, é harmônico, sensível, vigoroso, contundente, sentimental, trágico, nostálgico... é uma prova da vitalidade de Ettore Scola há 40 anos, ainda vivo em 2011, com 80 anos e que mereceu aplausos ao final da exibição na sessão Cult do Cine Líbero Luxardo.