segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MR. NOBODY (2)

Segundo Gunnar Myrdal, citado por Alves (1993, p. 9) “A ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado.” Essa afirmação pode gerar uma extensa discussão sobre o que é senso comum e o que é ciência, no entanto não vou entrar nessa análise aceitando a afirmação como uma referência importante para defender o que, talvez, possa ser considerado o sentido inverso: a popularização da ciência. Acho que o cientista tem, entre suas responsabilidades, a de tornar, o mais possível, seus conhecimentos especializados acessíveis a uma parcela cada vez mais significativa da população. Na verdade, é um objetivo da educação ampliar a reflexão científica em todos os níveis escolares. Sabe-se, atualmente, que teorias complexas que anteriormente eram apenas compreendidas por seus formuladores e um pequeno grupo de privilegiados hoje em dia têm esse universo ampliado.

Jaco Van Dormael em Mr. Nobody ousou informar aos espectadores conceitos de complexas teorias com a finalidade de basear um trabalho de ficção de muita inventividade e criatividade. A obra dele, claro, é um trabalho artístico, não tem compromisso científico, mas desperta no espectador o espírito investigativo, vai além do estético. É por isso que fui buscar algo mais sobre a teoria das cordas.

A teoria das cordas (string theory) busca conciliar a mecânica quântica com a teoria geral da relatividade para se constituir em uma teoria de tudo (theory of everything – TOE), ou seja, uma única teoria capaz de explicar tudo o que acontece no universo. A ciência tem progredido com a formulação de teorias parciais que priorizam determinados aspectos e desprezam outros. Nesse caminhar permanente surgem novas e independentes ou derrubando e negando outras teorias que eram consideradas válidas até serem negadas pela experiência. O próprio Einstein se dedicou a tentar uma unificação, chegando até a negar a mecânica quântica, mas que, na verdade, contribuiu para seu desenvolvimento. (TEORIA..., 2010; STRING...,2010; HAWKING, 1988/2000)

Na teoria das cordas

[...] o objeto básico não são as partículas,que ocupam um único ponto no espaço, mas coisas que tem uma extensão e nenhuma outra dimensão, como pedaços de corda infinitamente delgada. Estas cordas podem ter fim (as chamadas cordas abertas) ou podem estar ligadas a si mesmas em laçadas fechadas (cordas fechadas) [...]. Uma partícula ocupa um ponto do espaço a cada instante do tempo. Assim sua história pode ser representada por uma linha no espaço-tempo (a “linha do universo”). Uma corda, por outro lado, ocupa uma linha no espaço a cada momento do tempo. Assim, sua história no espaço-tempo é uma superfície bidimensional chamada folha do mundo. (HAWKING, 1988/2000, p. 218)

Quando estudei Física e Química no Colégio Nazaré, nos anos 1955 a 1957, a composição do universo era estudada no nível da matéria, no nível molecular e no nível atômico. O átomo, embora mantendo o nome, deixara de ser a última divisão da matéria, estudávamos que era composto de prótons, nêutrons e elétrons; só até aí.

No estudo da teoria das cordas, a wikipedia descreve seis Níveis de Ampliação (Levels of Magnification): 1. Nível Macroscópico – Matéria. 2. Nível Molecular. 3. Nível Atômico – Prótons, nêutrons e elétrons. 4. Nível Subatômico – Elétron. 5. Nível Subatômico – Quarks. 6. Nível das Cordas. (TEORIA..., 2010; STRING..., 2010). Os quarks são partículas que compõem os prótons e os nêutrons. Vejamos, então, como evoluiu o conhecimento sobre a matéria do universo.

Aristóteles considerava que a matéria do universo era composta de quatro elementos básicos: terra, ar, fogo e água. As forças atuantes eram duas: a gravidade e a leveza. A gravidade agia sobre a terra e a água empurrando-as para baixo e a leveza fazia com que o ar e o fogo subissem. Para ele a matéria era contínua, o que significava que sempre se poderia dividi-la, nunca se atingiria uma partícula que não pudesse ser dividida. Demócrito e outros gregos, porém, consideravam que a matéria era granulosa de tal modo que se chegaria a uma partícula indivisível. Por longo tempo essas duas concepções sobre a matéria permaneceram sem qualquer prova que reforçasse uma ou outra. (HAWKING, 1988/2000, p. 97)

Em 1803, John Dalton estabeleceu o conceito de molécula, agrupamento de átomos em componentes químicos. Em 1905, Einstein, explicando o movimento browniano – “movimento irregular e casual das pequenas partículas de poeira suspensas num líquido – poderia ser explicado como o efeito dos átomos do líquido colidindo com as partículas de poeira.” Mesmo antes, já se pensava que os átomos não eram indivisíveis: “J. J. Thomson demonstrara a existência de uma partícula de matéria, chamada elétron, com massa inferior a um milésimo daquela do átomo mais leve”. Em 1911, “Ernest Rutherford finalmente demonstrou que os átomos da matéria tem uma estrutura interna: são formados por um núcleo extremamente pequeno, carregado positivamente, em torno do qual gira um número de elétrons [...]”. Em 1932, James Chadwick descobriu que além do próton (primeiro), a partícula do núcleo carregada positivamente, “o núcleo continha outra partícula, chamada nêutron, com quase a mesma massa que o próton, mas sem carga elétrica [...]” (ibidem, p. 98-99). Aliás, foi essa a composição do átomo que estudei no colégio. Mas as experiências continuaram e no final da década de 1960 descobriu-se que “um próton ou um nêutron é formado por três quarks”. (ibidem, p. 100)

Ainda se pode citar o neutrino (uma partícula extremamente leve), o pósitron (a antipartícula do elétron), o gráviton (partícula sem carga), os bósons, os mésons, o antiquark, o glúon,...

A cada vez que leio mais sobre a origem, composição e funcionamento do universo, novos conceitos vão surgindo, novas teorias explicativas. Para o leitor que já está achando que me desviei muito do comentário sobre Mr. Nobody, eu acho que sim, peço que deixe estas explicações se não se interessar por elas, e avance para o trecho diretamente associado ao filme. Peço desculpas, mas não consigo cortar abruptamente, pelo menos até que ache ter dado uma razoável ideia sobre o que comecei. Vou continuar. Culpa de Van Dormael...

O marquês de Laplace, no início do século XIX, propôs uma doutrina que considerava que o universo “era absolutamente determinístico”.

[...] Laplace sugeriu que deveria haver um conjunto de leis científicas que permitiriam prever tudo que acontecesse no universo, bastando para tanto que se soubesse o estado completo do universo num determinado momento [...]. (HAWKING, 1988/2000), p. 85)

O cientista francês chegou ao ponto de “assumir que existem leis similares governando tudo o mais, inclusive o comportamento humano”. (ibidem)

Em 1926 essa especulação acabou quando Werner Heisenberg “formulou seu famoso princípio da incerteza. A fim de prever a posição e a velocidade futuras de uma partícula, devemos ser capazes de medir, com precisão, sua posição e velocidades atuais” (ibidem, p. 86). O trabalho de Weisenberg foi baseado no que Max Planck, em 1900, sugeriu: “que a luz, os raios X e outras ondas não pudessem ser emitidas a uma razão arbitrária, mas apenas em determinadas quantidades que chamou de quanta” (ibidem). Sintetizando: “Princípio da Incerteza – nunca podemos estar certos quanto à posição e à velocidade de uma partícula; quanto mais acuradamente se conhece uma, menos acuradamento conhecemos a outra” (HAWKING, 1988/2000, p. 252). Então, “não se pode certamente prever eventos futuros com precisão, uma vez que também não é possível medir o estado presente do universo!” (ibidem, p. 88)

Outra importante constatação que deve ser levada em conta é a dualidade partícula-onda. Vejamos o que diz Hawking sobre isso:

Ainda que a luz seja formada por ondas, a hipótese quântica de Planck sustenta que, sob algumas formas, ela se comporta como se fosse composta de partículas: só pode ser medida ou absorvida em quantidades ou quanta. Igualmente, o princípio da incerteza de Heisenberg implica que as partículas se comportem como ondas em algumas situações: não se localizam em posição definida, mas estão espalhadas segundo determinada distribuição de probabilidade [...]. Existe na mecânica quântica, portanto, uma dualidade entre ondas e partículas: para alguns propósitos é útil pensar nas partículas como ondas, e para outros, é melhor pensar nas ondas como partículas. [...] (ibidem, p. 89-90)

Ainda não tratei neste texto sobre as forças entre as partículas do universo. “Todas as partículas conhecidas do universo podem ser divididas em dois grupos: as de spin – 1/2, que formam a matéria do universo, e as de spin – 0, 1 e 2 que, como veremos adiante, dão origem às forças entre as partículas de matéria”. (ibidem, p. 103)

As partículas portadoras de força podem ser agrupadas em quatro categorias, de acordo com a grandeza da força que carregam e as partículas com as quais interagem. Deve-se observar que essa divisão em quatro classes é artificial; torna-se necessária à construção de teorias parciais, mas pode não corresponder a nada mais profundo. Ultimamente a maior parte dos físicos espera encontrar uma teoria unificada que explique as quatro forças como aspectos diferentes de uma única força [...] (ibidem, p. 105-106)

Não vou avançar na apresentação do que já foi feito nesse sentido, da unificação, vou apenas citar essas categorias: a força gravitacional, à qual “toda e qualquer partícula sofre [...], de acordo com sua massa ou energia. A gravidade é, de longe, a mais fraca das quatro forças; [...]”. Já a força eletromagnética é a que interage com partículas carregadas de eletricidade como elétrons e quarks. A força nuclear fraca é responsável pela radioatividade. “A quarta categoria é a força nuclear forte que mantém os quarks juntos no próton e no nêutron, e estes, por sua vez reunidos no núcleo de um átomo. [...] (HAWKING, 1988, 2000)

Voltando à teoria das cordas, não, melhor voltar ao filme, a partir do plano que mostra as três meninas Anna, Elise e Jeanne, no momento em que ocupam o mesmo lugar no espaço e no mesmo tempo. Tinham se passado apenas 23 minutos de filme e Dormael já indicara, com toda a clareza, que Nemo tinha tido três vidas, três relacionamentos independentes com três mulheres. Cabe mostrar como isto se deu; a primeira indicação é de que o período de tempo foi o mesmo, melhor, o período de vida dele foi os mesmo, três caminhos independentes, ao mesmo tempo, no mesmo espaço?

Se interrogações existem na cabeça do espectador, no entanto, Dormael, a partir desse momento, deixa bem claro o que ele vai explorar. Os pedaços que ele reuniu, aliás, muito bem, adquiriram consistência lógica, lógica dentro do campo ficcional, claro. Reafirmo que, apesar de todo o aparato de caráter científico, Dormael está, na verdade, enfocando a análise de situações e problemas de caráter predominantemente humano, colocando no centro do filme a questão da decisão diante do sentido único do tempo, sempre para a frente, para o futuro.

A pergunta que surge, a partir dessa primeira montagem de fatos, poderá ser: como começaram os relacionamentos com cada uma das mulheres? O primeiro a ser esclarecido é com Anna quando ainda eram crianças.

Um corte e a cena das três meninas juntas que registrei é seguida pelo ambientes onde meninos e meninas nadam em uma grande piscina. Nemo (Thomas Byrne) tem 9 anos de idade. Já fora da piscina, ele fixa os olhos em uma menina, também de olhos azuis. É Anna (Laura Brumagne), linda. Música romântica. Ele a olha fixamente e persistentemente; eles estão em lados opostos da piscina. Anna se atira do trampolim, nada sensualmente. Nemo continua a admirá-la, agora ela esta na borda da piscina, enxuga os cabelos e olha-o também. A cena muda, o tempo avança um pouco, o ambiente não tem mais ninguém, apenas Nemo está no trampolim. Ele se joga, vai afundando. Há um corte na cena e o foco passa para Nemo adulto (Jared Leto) no carro debaixo d’água; ele está pensativo. Novo corte e volta-se para Nemo menino no fundo da piscina, parece que ele está se afogando. Surge Jeanne (Linh Dan Pham), mulher adulta, que vem nadando na direção de Nemo no carro. Novo corte; a imagem agora é de Nemo garoto se afogando, um homem vem nadando para salvá-lo, tira-o da água. Uma rápida volta a Nemo (Jared Leto) com 118 anos e ao jornalista (Daniel Mays) que o entrevista.

Como se vê, em cenas seguidas e alguns cortes rápidos Domael focaliza três períodos de tempo. A essa altura o espectador já está familiarizado com essas diversas alternativas e os cortes abruptos fluem naturalmente na narrativa; após cada um sabes-se para onde se foi. Domael tem clara intenção ao voltar a Nemo com 118 anos: os fatos anteriores a 2092 são lembranças do velho, pouco a pouco a memória dele vai voltando, às vezes muito rapidamente, o médico explicou esse fenômeno. Aliás, as mudanças de tempo, de ambiente e de atores, por conta das idades dos personagens, são trabalhadas por Jaco Van Dormael com extrema habilidade e criatividade. O diretor é um exímio compositor mantendo ritmo e continuidade do início ao fim, priorizando o drama humano com uma história fantástica e de ficção científica.

As decisões humanas, a dificuldade em tomá-las, sobretudo em momentos cruciais, e os consequentes efeitos negativos, em várias situações não previstos, são realçados no filme; daí os retornos no tempo para alterá-las, tentar corrigir as conseqüências indesejáveis.

A primeira decisão não foi tão difícil para Nemo: a escolha dos pais. Mas a seguinte foi traumática. Começa cronologicamente no filme após a sequência em que Nemo é salvo do afogamento na piscina e volta-se rapidamente à Nemo e às suas lembranças quando tinha 9 anos.

Nemo vê a mãe com outro homem, beija-o, ela trai o pai dele (lembrei-me de Os Incompreendidos, de François Truffaut). Em seguida há uma discussão violenta entre os pais; vão se separar. Dormael escolhe uma parada de trem para a despedida da mulher, ela irá em frente, o homem fica. E Nemo tem que tomar uma decisão radical: ficar com o pai (Rhys Ifans) ou ir com a mãe (Natasha Little). A composição dessa sequência é muito bem elaborada com idas e vindas no tempo cronológico em questão de segundos mostrando as duas opções alternadamente. Certamente a angústia maior ficou para Nemo; as crianças, nessas situações, são as grandes vítimas inocentes. No final do evento fica a dúvida, explicitada na volta a Nemo com 118 anos; o jornalista questiona o velho: “Sinto muito, não entendi. Você ficou com seu pai ou foi com sua mãe?” O ancião fica pensativo, mas não responde e rapidamente Dormael nos leva de volta ao garoto com o pai:

- Papai, é minha culpa?

- É claro que não. É minha culpa.

Mas o que vai ser seguida é a linha da vida de Nemo com a mãe. Dormael é, realmente, um exímio manipulador, um mestre em jogar com tempo e espaço no cinema e pula para a época em que Nemo (Toby Regbo) tem 16 anos e Anna (Juno Temple) 15. Nessa altura, Nemo diz que é capaz de prever o futuro.

Novo salto e Nemo adulto encontra Anna (Diane Kruger), casada e com filhos. Ele quer mudar essa situação. Depois de conversar rapidamente com ela, ele tira da carteira uma fotografia, olha-a; é o local onde se deu o momento em que ele disse uma frase a Anna, adolescente com 15 anos, e que a afastou do seu caminho. A foto se transforma no ambiente real, real no filme, é claro, momento imediatamente antes dele pronunciar a frase crítica. Ele, então, novamente incorporado ao ambiente, à chegada de Anna, muda a explicação agressiva anterior para não ir nadar e que a afastara dele: “Não vou nadar com idiotas.” Agora se torna humilde, carente, não vai nadar porque ele não sabe, e Anna fica com ele na praia, e o futuro vai mudar. É a teoria do caos aplicada à vida comum das pessoas: pequenas mudanças podem influenciar decisivamente o futuro, neste caso uma simples frase.

Em outro momento Dormael muda o local e a linha de vida, mas mantém Nemo, na passagem e antes, com a mesma idade, 16 anos. A mudança se dá modo inverso à anterior. É feita a partir de uma cena em que Nemo está deitado na cama após escapar de ser pilhado pela mãe dormindo com Anna. Já vimos que o homem que ficou com a mãe de Nemo é o pai de Anna, Harry (Michael Riley); os dois tratavam Anna e Nemo como irmãos, o que revoltava os jovens. Sim, vamos à mudança. Nemo está deitado na cama; a câmera o foca em plano próximo, vai se afastando, sai pela janela do prédio em alta velocidade, mostrando no final do movimento um plano geral de muitos prédios, plano que se torna estático, transforma-se em uma fotografia que está em cima de uma mesa de uma sala do apartamento do pai de Nemo, que está em cadeira de rodas, ele está paraplégico. Nemo cuida dele, dá-lhe banho, há sete anos não vê a mãe, o rapaz a despreza. O pai acha que Nemo deve sair mais de casa para se divertir, Nemo diz que tem tudo o que precisa, mas, na verdade, está revoltado com a situação, o que é demonstrado quando, na sequência seguinte, ele dirige aos gritos uma motocicleta em velocidade. E vem mais, uma incrível viagem de Nemo ao espaço, no futuro, que Dormael introduz com a maior naturalidade apesar de ser completamente diferente das idas e vindas anteriores. Vejamos.

Depois de correr gritando na moto, Nemo volta para casa, vê o pai dormindo na cama, é noite. Senta-se diante de uma máquina de escrever, coloca papel e começa a apertar as teclas. É bom lembrar que, àquela altura, 1991, o computador já substituira a máquina de escrever tradicional, mas Dormael preferiu a velha máquina, e ainda máquina manual. Ele escreve:

(After three months and six days of travel, the shuttle was heading directly to cancer...)

[...] Depois de três meses e seis dias de viagem, a nave espacial foi direto para o câncer distante, entre Marte e Urano e suas cinco luas.

A câmera mostra desenhos de naves e foguetes na parede do compartimento e em seguida uma enorme nave no espaço. E Nemo adulto, congelado, em uma cápsula individual de manutenção de vida latente. Volta-se à Terra, ele continua teclando na máquina de escrever:

Finalmente se aproxima de Marte e suas colônias

A câmera foca Nemo teclando, adolescente, e depois ele adulto, na câmara de sobrevivência. Ele escreve:

A bordo o computador estava avaliando tudo

Imagens luminosas do interior da cabeça de Nemo, é o controle fisiológico feito pelo computador. Volta-se à máquina de escrever, logo em seguida à boca de Nemo, ele despertando do congelamento, a máquina, a boca com gelo:

Grace (Beleza)

A câmera vai se afastando e passa a abranger várias câmaras de sobrevivência com pessoas congeladas, devem, também, estar despertando, o computador está no controle, é a chegada a Marte. Canto lírico. Novo corte brusco. Agora Nemo, adolescente, está caminhando na rua, é noite, observa um local iluminado, muitas pessoas se aglomeram à porta; joga uma moeda para cima,mas não consegue apará-la, ela cai em um esgoto de água, passa pela grade de proteção e perde-se. Nemo terá que decidir sem a ajuda da moeda. Ele resolve entrar no prédio iluminado, com várias outras pessoas, é uma boate. Certamente ele resolveu atender à recomendação do pai para que saísse mais, se divertisse. É nesse ambiente que ele começa o relacionamento com Elise (Clare Stone), quando ela tinha 15 anos , e também com Jeanne (Audrey Giacomini) com a mesma idade. Aliás, Jeanne é escolhida porque Elise o rejeitou. O relacionamento com Elise começou após um descontrole da moça na boate e com ela Nemo teve a vertente de vida mais complicada. Depois desse confuso encontro, Jacob Van Dormael volta a explicações de natureza científica (ou pretensamente científicas), muda novamente o estilo da narrativa, introduz informações que, no filme, são geradas em um estúdio de televisão

O que acontece quando nos apaixonamos [a imagem de um cérebro iluminado, azulado, surge na tela]

Como resultado de certos estímulos [a imagem torna-se dinâmica, surgem filamentos iluminados]

Liberam-se várias cargas de endorfinas. Mas por que exatamente essa mulher ou esse homem [aparece uma imagem de Elise, um grande plano, ela olha para a câmera, para o espectador; segue-se uma imagem semelhante de Nemo. A câmera se aproxima mais de Nemo.]

Há uma liberação de feromonas que correspondem [Imagens de luzes amarelas e avermelhadas, grande plano de Elise de perfil]

Ou há características físicas que reconhecemos [Imagem de perfil da mãe de Nemo, os olhos aparecem em detalhe]

Os olhos da mãe, um perfume que estimula, uma bonita lembrança. [Detalhes do rosto da mulher e a imagem de Nemo, adulto, é ele quem fala, ele é o apresentador. À direita dele um beijo cinematográfico e um casal.]

LOVE IS

O amor é parte de um plano? Um plano para reprodução.

Dormael continua detalhando em palavras e ilustrando com imagens sua exposição sobre o relacionamento humano, o amor, com base na fisiologia, na influência dos hormônios, das secreções internas do corpo, fala de bactérias e vírus, a luta do ser humano contra eles:

Contra isto respondemos com as mais poderosas armas. [Ilustração com partes de figuras de homem e de mulher, depois cena erótica, de um casal em relação sexual. E o apresentador Nemo continua:

Sexo. Dois indivíduos mesclando seus genes. [Cenas de casais beijando-se ardorosamente, com fúria.]

Criando um indivíduo que resiste aos vírus melhor [cenas de sexo, células flutuantes.]

Quanto mais similar seja. Somos organismos participantes entre ujma guerra entre 2 modos de reprodução.

A

WAR

BETWEEN

2 MODES OF

REPRODUCTION

E, então, Dormael vai mudar novamente o estilo narrativo. Nemo é interrompido por uma voz feminina: “Certo todos. É tudo por hoje.” Na verdade, Nemo está em um estúdio de televisão, um plano geral do ambiente é mostrado com equipamentos e pessoas que trabalham no programa que Nemo estava apresentando no filme. E é do estúdio que Nemo fala com Anna (Diane Kruger), mulher adulta, através de telefone celular:

- Olá querido.

- Chegarei mais tarde.

- Não tem problema.

- Amo você.

- Te amo mais.

- Eu mais.

- Está bem.

- Está bem.

- Trapaceiro.

- Bem, vejo você depois.

E Nemo sai do estúdio, dirigindo um carro. Quase atropela um ciclista. É um aviso. Nemo sai dirigindo por uma estrada, ele está só no veículo. Um passarinho, que estava pousado na pista, voa à aproximação do veículo e bate violentamente no para-brisa do carro. Sangue no vidro. Nemo se espanta, se atrapalha na direção, o veículo derrapa, sai da estrada e vai se projetar em um rio, vai afundando. O interior do veículo vai se enchendo de água, Nemo tenta escapar, ainda consegue fechar o vidro [música lírica]. Um porta-retratos com foto de Anna e duas crianças flutua dentro do veículo; Nemo olha-o. Um tubarão se aproxima, Nemo o vê pelo vidro lateral. A cena muda bruscamente e foca um prato de comida com um pequeno peixe e acompanhamentos; e Nemo:

- Sempre gostei de pescado.

Volta-se para Nemo no fundo do rio:

- Nunca pensei que algum dia ela também gostaria.

O tubarão investe violentamente contra a janela lateral do carro a ponto de tomar toda a cena, escurecendo-a. Novo corte nos leva novamente ao médico conversando com Nemo no ano 2092. Ele induz o velho a se lembrar do passado. E ele se lembra, é mostrada uma relação sexual dele e Anna, adolescentes.

Os eventos vão se interconectando, se encaixando como peças do quebra-cabeça que o diretor iniciou com um evento qualquer e foi apresentando eventos inusitados.

Jaco Van Dormael utiliza outro mecanismo para realizar a volta no tempo, diferente dos cortes abruptos, e que são utilizados no filme quando a distância do futuro para o passado é pequena. Aliás, Stephen Hawking utilizou o cinema como exemplo exatamente para ilustrar como poderia se dar uma reversão no tempo. Vejamos isto primeiro no filme.

Nemo está parado, em uma motocicleta, diante da casa de Elise, ele tem 16 e ela 15 anos; há pouco se encontraram na boate, um encontro em que a moça apresentou um comportamento significativamente estranho, mas que tocou Nemo sentimentalmente. Ela sai de casa e logo atrás vem um rapaz; ela vê Nemo. Na verdade, o jovem está com ela. Decepcionado, Nemo dá a volta na moto e vai embora. Sai em velocidade pela estrada. Na pista, uma folhinha lembra a folha em que se transformou a borboleta vinda do Japão e que interferiu no encontro entre o pai e a mãe de Nemo; o efeito borboleta ilustrativo da teoria do caos. A pista está molhada, a moto derrapa justamente na folha. Nemo se fere gravemente, é conduzido de ambulância para um hospital; está muito machucado numa cama, mas percebe, sem poder se mexer, o que está acontecendo em volta. Ouve-se o pensamento dele, claro, um recurso do cinema:

- Alguém entrou. Se pudesse pelo menos mover meus dedos, ou meus olhos. [Duas enfermeiras dialogam:

- Acha que ele pode nos escutar?

- Eu não sei.

E ele, pensando, o pensamento trazido ao espectador por palavras dele mesmo, uma convenção da linguagem cinematográfica:

- Quem é? O que faço aqui?

Uma enfermeira fala:

- Se você pode me ouvir, mova os dedos.

Ele pensa com rapidez:

- Tenho que sair daqui. Retornar antes do acidente. [imagens superpostas de Nemo se alteram na tela, acho que indicando agonia.]

Então, a câmera inicia velozmente um movimento de saída do quarto, de retrocesso. Faz, em sentido contrário, o percurso feito por Nemo para chegar ao hospital no veículo que o transportou, depois saindo de maca da ambulância, movimento contrário ao resgate, levantando-se do chão e pulando para a moto, recuando sempre até chegar novamente em frente à casa de Elise. Na verdade é o filme projetado em sentido inverso à filmagem. Uma situação semelhante, mas de poucos segundos, foi mostrada antes e que já registrei: o carteiro andando para trás, em movimento inverso ao caminhar, após deixar uma foto na casa de Nemo e Elise; no entanto, neste caso, o carteiro faz o movimento inverso, mas um carro que passa na rua, desloca-se normalmente para frente. Aliás, Hawking (1988/2000, p. 200-201) faz um registro interessante sobre o sentido do tempo, do futuro para o passado, e exatamente usando a projeção de um filme para ilustrar:

[...]. De fato, existe uma grande diferença entre as direções para frente e para trás do tempo real na vida comum. Imagine-se uma xícara de água caindo de uma mesa e se quebrando em muitos pedaços no chão. Se filmamos este evento, pode-se facilmente dizer se o filme está sendo projetado para frente ou para trás. Se o projetarmos para trás, ver-se-ão os cacos subitamente se reunindo sobre o chão e pulando para cima a fim de formar uma xícara inteira sobre a mesa. Pode-se dizer que o filme está sendo projetado para trás porque este tipo de comportamento não é nunca observado na vida cotidiana. [...]

Hawking, em seguida, dá a explicação científica do por que de não se ver na vida real xícaras serem recompostas depois de terem sido quebradas:

A explicação que usualmente se dá para o porquê de não se ver rotineiramente xícaras quebradas reunindo seus cacos no chão para saltar sobre a mesa é que isto contradiz a segunda lei da termodinâmica, que afirma que, em qualquer sistema fechado, a desordem, ou entropia, sempre aumenta com o tempo. Em outras palavras, é uma forma da lei de Murphy: as coisas sempre tendem a ser malsucedidas. Uma xícara intacta sobre a mesa representa um estado de alta organização, mas uma xícara quebrada no chão encontra-se em estado desordenado. Pode-se ir da xícara sobre a mesa no passado para a xícara quebrada no chão no futuro, mas não na direção inversa. (ibidem, p. 201)

Como o tempo é fundamental no filme de Jaco Van Dormael, vou continuar citando Hawking para mais associações:

O aumento da desordem ou entropia através do tempo é um exemplo do que se chama uma seta do tempo, algo que distingue o passado do futuro, dando a direção do tempo. Existem pelo menos três setas de tempo. Primeiro a seta do tempo termodinâmica, a direção do tempo em que em que a desordem ou entropia aumenta. Depois há a seta psicológica do tempo; esta é a direção em que sentimos o tempo passar, a direção em que nos lembramos do passado, mas não do futuro. Finalmente existe a seta cosmológica do tempo, que é a direção do tempo em que o universo se expande mais do que se contrai. (ibidem, p. 201)

No filme Mr. Nobody há uma situação semelhante à quebra de um copo como relatado por Hawking só que o objeto é um vaso. O fato ocorre quando os pais de Nemo brigam por causa da traição da mulher, situação que já registrei, mas vou repetir e detalhar por causa do vaso quebrado. Nemo tinha 9 anos e viu a mãe beijando-se com um estranho. Homem e mulher discutem violentamente, cara a cara; aparecem de perfil para o espectador; ao fundo, pendurada na parede, uma foto emoldurada do casal e um móvel sobre o qual repousa um vaso vermelho. Furioso, o homem pega o vaso e atira-o com força no chão. A câmera, de cima para baixo foca o vaso caindo e estilhaçando-se no chão. O vaso, no entanto, vai ser recomposto, no movimento inverso à queda, os pedaços são reunido no chão e o vaso em seguida pula para o móvel; é o Big Crunch, a contração do universo que vai se processando com a reversão do tempo nas sequências finais do filme

Nemo usava com freqüência uma moeda para tomar decisões, decidia com cara ou coroa; ele chegou a gravar em uma moeda Yes de um lado e No do outro, mas em dado momento ele resolveu definir sua vida, não deixando o acaso dirigi-la, segundo ele próprio. Essa mudança de comportamento aconteceu logo após ele conhecer Jeanne na boate, e tê-la escolhida porque Elise ficara com outro. Ele sai da boate com Jeanne na garupa. Enquanto dirige a moto ouve-se ele falando:

- Primeiro: nunca deixaria nada ao acaso de novo. Segundo: eu vou casar com a garota na minha moto.

Uma rápida imagem dele e Jeanne descendo as escadas da igreja após o casamento.

- Terceiro: vou ser rico.

Volta a imagem deles na moto; agora Nemo fala:

- Quarto: vamos ter uma casa. Uma casa grande.

Aparece uma casa.

- Pintada de amarelo com jardim.

Aparece a imagem descrita.

- E dois filhos, Paul e Michael.

Aparece um, depois outro menino. Volta a imagem de Nemo e Jeanne na moto.

- Quinto: vou ter um conversível vermelho e uma piscina.

E aparece um conversível azul claro que rapidamente muda de cor para vermelho. Em seguida uma piscina.

- Eu aprenderei a nadar.

Volta-se à imagem com a moto.

- Sexto: não me deterei até que tenha êxito.

Após este registro em que Nemo declara que vai mudar, ser mais ativo nas definições de seu futuro, não aceitando ser passivo na vida, na verdade reativo, eu tinha pensado em comentar a última sequência do filme e tecer as considerações finais. No entanto, surgiu o interesse em ler mais sobre a teoria do caos e fazer associações mais diretas a Mr. Nobody. É o que vou fazer a seguir, e depois, concluir o comentário.

Referências

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência; introdução ao jogo e suas regras. 18 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

HAWKING, Stephen W. Uma breve história do tempo: do Big Bang aos buracos negros. Tradução de Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 1988/2000.

STRING theory (25 oct. 2010). Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/String_theory. Acesso em: 28 out. 2010.

TEORIA das cordas. (01 out. 2010). Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_das_cordas. Acesso em: 28 out. 2010).

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