sábado, 12 de março de 2011

Um Dia Muito Especial

A parceria da ACCPA com o Sesc Boulevard, em Belém, foi iniciada no dia 10 de março de 2011 com a exibição do filme "Um Dia Muito Especial" (Una Giornata Particolare, Itália, 1977), dirigido por Ettore Scola. É muito especial, primeiro, porque é o dia da visita de Adolf Hitler à Itália, o dirigente alemão sendo recebido pelo italiano Benito Mussolini com grande mobilização da população, que vai, em massa, às ruas para participar ativamente do evento. Esse é o pano de fundo, pois a história se passa longe das comemorações, em um prédio residencial de classe média. Enquanto o marido e os seis filhos do casal vão se juntar às manifestações populares, a mulher, Antonietta (Sophia Loren) fica no apartamento cuidando das coisas da casa. Inadvertidamente ela deixa aberta a gaiola de um pássaro falante, mascote da família, que escapa pela janela, indo se posicionar em um apartamento no lado oposto do edifício. Ela sai em busca da ave, entra no apartamento de Gabriele (Marcello Mastroianni) e, com a ajuda do vizinho, consegue capturar o animal fugitivo. Homem e mulher mutuamente se atraem e vão estabelecer um relacionamento muito especial em una giornata particulare; este é o segundo motivo, e o principal, de ser um dia muito especial.
Ambos excluídos, ela uma mulher conformada com uma situação de opressão familiar, se distrai colecionando recortes de Mussolini, ele um locutor de rádio que havia sido dispensado do trabalho por ser um antifascista. Na verdade, ele fora demitido por ser homossexual, opção que é logo conhecida pelo expectador por meio de uma conversa telefônica de Gabriele, mas que Antonietta só saberá em momento posterior, opção esclarecida pelo próprio Gabriele em momento de explosão e descontrole.
Um processo de descobrimento vai se processando, de desnudamento mútuo em uma construção cinematográfica bem estruturada, fluente, clara, sem maneirismos, uma bela narrativa seqüencial. A simplicidade formal a serviço da sensibilidade foi muito bem trabalhada por Ettore Scola com a contribuição decisiva de Marcello Mastroianni e Sophia Loren, além de bela, excelente intérprete.
A abertura do filme com a chegada de Hitler à Itália, a população mobilizada para participar do evento, os cadenciados e rígidos desfiles militares, e a vibração do povo, mostram a massificação das pessoas pelas ideologias nazista e fascista em oposição à individualidade que vai sendo retratada dentro dos apartamentos. São dois mundos que se opõem. De um lado os anestesiados e cegos pelo poder, de outro, duas pessoas que buscam dentro de si mesmas um significado para a existência. A constante presença dos relatos, no rádio, das manifestações políticas que se processam paralelamente nas ruas, sobre as ações de Antonietta e Gabriele são um contraponto de forte conteúdo emocional. O drama pessoal dos dois não tem nada a ver com o que se passa lá fora, mas é mais importante porque é humano e consequentemente universal. Fora é a ilusão do poder político e militar.
O desafio do cineasta foi estabelecer a comunicação e o entendimento entre duas pessoas aparentemente sem nada terem em comum, inclusive sendo ele letrado e ela praticamente inculta, pelo menos formalmente. Gabriele força um presente para Antonietta, o livro Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, aliás, um romance instigante; de início ela despreza o livro.
Ações triviais, do dia-a-dia, no entanto, é que os aproxima: moer os grãos para fazer café, consertar uma luminária, escapar da maledicência de uma vizinha, pendurar roupas na corda, sendo que tudo começou com a fuga do pássaro. Paradoxalmente o tempo livre para Antonietta foi disponibilizado justamente por um marido opressor e admirador de Mussolini e de Hitler, ao levar todos os filhos para se unirem à população na recepção a Hitler. Deu tempo à mulher para encontrar Gabriele e se encontrar.
Primeiro a ilusão com Gabriele, um homem desejável, cordial, sensível, diferente do marido, um bruto. Depois o choque com a confissão desesperada de Gabriele. Tudo o que ela imaginara com ele desaba ao saber que ele é homossexual. E, finalmente, a compreensão, o entendimento, a aceitação, a comunicação, a eliminação da solidão. Certamente o marido não a terá mais, ela se nega a tentarem um sétimo filho; começa a ler Os Três Mosqueteiros. Ele vai ser extraditado, mas não irá mais se suicidar. A vida mudou para os dois. E Hitler e Mussolini, bem....Excelente filme de Ettore Scola.

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